Escolher o telescópio certo para você não é fácil. Na verdade acredito que é uma das coisas mais difíceis de se comprar devido a enorme quantidade de modelos disponíveis. Certamente é bem mais difícil de escolher do que um binóculo. Mesmo assim, vou tentar ajudar nos parágrafos a seguir, lembrando que esse post é voltado para quem quer comprar o primeiro telescópio voltado para astronomia observacional.
Primeiro: Não se compra telescópios pelo aumento.
Como eu disse no post "
O primeiro telescópio: Primeiro Passo: Aceitar que qualidade tem um preço", quase todo shopping tem uma loja com alguns telescópios pequenos expostos na vitrine. Normalmente são lojas de presentes e eu acredito que elas colocam os telescópios ali mais para chamar atenção para a loja do que propriamente para vendê-los, até por que eles normalmente custam um preço que deveria assustar um comprador um pouco mais exclarecido e assim ficar mais tempo enfeitando a loja. Acontece que sempre aparece alguém com mais dinheiro do que conhecimento sobre telescópios e acaba levando os aparelhos.
Normalmente nessas lojas de shopping é colocado um pequeno cartaz nos telescópios, anunciando o aumento do aparelho, quase sempre com números impressionantes, como 625x. Isso certamente chama a atenção de quem está afim de seu primeiro telescópio e não entende nada desse assunto. Mas digo: anunciar um telescópio pelo aumento é um erro sem tamanho, pois não representa nada. Bem! Na verdade temos esse valor através da medida da distância focal do telescópio dividida pelo tamanho da menor ocular multiplicada pelo aumento da barlow que acompanha o conjunto, mas nestes telescópios de shopping esse aumento sempre ultrapassa de longe o aumento real que o telescópio pode fornecer, que nessa configuração não produz nada de forma decente, nem sequer quando usado para observações diurnas.
Segundo: A principal característica da ótica de um telescópio é a abertura, depois vem a distância focal.
Não adianta um telescópio prometer aumentos se ele não tem abertura para isso. Um telescópio de 60mm prometer um aumento de 500 vezes é como um carro popular com motor 1.0 prometer atingir 400 km por hora numa subida carregando um trailer nas costas. Isso vai totalmente contra a potência do carro. E o que define a potência do telescópio é a sua abertura. Quanto maior for a abertura, maior será a capacidade do telescópio de absorver luz e também a sua resolução. Abertura nada mais é do que o diâmetro da lente ou do espelho primeiro de um telescópio. Para os mais leigos, abertura é a grossura do tubo de um telescópio (a não ser que haja um sacana que coloque um espelho de 60mm num tubo de 200mm). Quanto mais grosso for um telescópio, mais potente ele será.
Outra característica importante do telescópio é a distância focal. Distância focal é a medida entre a lente e o seu ponto focal. É a distância em que você deixava a lente da folha de papel para queimar a folha, na sua infância, ou a distância que você afastava a lente dos seus olhos até que a imagem se invertesse. É nessa distância que as oculares do telescópio devem ficar para que você consiga ver a imagem com foco.
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Refletor com 200mm de abertura e 800mm de distância focal, ou seja F4 (Distância focal dividida pela abertura), bom para observação de objetos de céu profundo. |
A principal importância da distância focal para o telescópio é que quanto maior for essa distância, maior será o aumento. Por exemplo, num telescópio de 120mm, com distância focal de 900mm, se você colocar uma ocular de 10mm, terá um aumento de 90 vezes. Já num telescópio com os mesmos 120mm de abertura, mas com 450mm de distância focal, se você colocar a mesma ocular de 10mm terá um aumento de 45 vezes. É interessante notar que mesmo que você aumente a abertura, ou seja, o tamanho do espelho ou da lente, se a distância focal for a mesma do telescópio menor, o aumento continuará o mesmo. A diferença é que este telescópio de abertura maior irá produzir uma imagem mais clara e com melhor resolução.
Não apenas os valores absolutos da abertura e da distância focal são importantes, mas também a relação entre os dois. Quanto menor for o valor da distância focal dividido pela abertura, mais claro será o telescópio. Não adianta muito um telescópio ter 200mm de abertura, mas uma distância focal de três metros, que seria chamada de F15 (3000mm dividido por 200mm). Ele será um telescópio muito escuro para galáxias e nebulosas, embora seja excelente para planetas, que precisam de mais aumento do que luz. Para se usar esse telescópio de forma satisfatória para objetos de ceu profundo você precisará de grandes oculares, uma ocular de 30mm gerará imagens com aumentos de 100 vezes. Não parece muito, mas saiba que, a cada duas vezes que você aumenta a distância focal, a absorção de luz diminui quatro vezes.
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Grande refrator com distância focal 15 vezes maior do que a abertura (F15), ideal para observação planetária. |
Já o contrário, um telescópio de 200mm com distância focal de 800mm, que é chamado de F4, terá bastante claridade e será muito bom para galáxias e nebulosas, mas para se conseguir imagens dos planetas com maiores detalhes, será necessário o uso de barlows e oculares bem pequenas. Para se conseguir um aumento de 200x (bem adequado para observação planetária) num tele com distância focal de 800mm, você precisará de uma ocular de 4mm ou de uma de 8mm com uma barlow de 2x.
Repare que a distância focal afeta o uso de um telescópio sim, mas não é como a abertura. Se a qualidade ótica for boa, você pode adaptar a distância focal com o uso de barlows (aumentam a imagem), redutores focais (diminuem a imagem) ou oculares maiores e menores, mas com abertura não adianta. Barlows não vão fazer a imagem de Júpiter melhorar num telescópio de 60mm de abertura, vão apenas transforma-lo num borrão. E também não adianta colocar uma ocular de 40mm num refrator de 60mm com 1200mm de distâncial focal que não irão aparecer detalhes mesmo das nebulosas mais brilhantes. Embora eu goste de refratores de distância focal pequena, por que terão campos maiores e são muito bons para se aprender a explorar o céu (um binóculo, por exemplo, são dois pequenos refratores de distância focal curta colocados lado a lado).
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Devido às características da sua ótica, cassegrains conseguem ter grandes distâncias focais em tubos menores. O modelo acima tem 127mm de abertura, mas 1500mm de distância focal (F11.8), produzindo grandes aumentos. |
Terceiro: A montagem de um telescópio deve ser analisada com tanta atenção quanto a sua ótica.
A montagem de um telescópio é o tripé ou qualquer outra estrutura que carregue o tubo ótico. É muito comum iniciantes não se importarem muito com ela e olharem apenas para o tubo. Mas comprar um telescópio com uma montagem ruim é um erro tão grave quando comprar um telescópio com ótica ruim. Nada é pior que apontar o telescópio para Júpiter e ele ficar balançando até que saia do campo de visão (em montagens sem motorização). As melhores marcas costumam vender telescópios com montagens adequadas ao tubo ótico. Mas marcas inferiores podem vender telescópios grandes sobre montagens muito fracas, que suportam o peso do telescópio, mas só isso, sem qualquer estabilidade. Lembre-se de que num aumento de 300 vezes, qualquer balançar imperceptível no tubo é um verdadeiro terremoto ao se olhar pela ocular.
Se puder, compre telescópios com montagens motorizadas, ou que possam ser motorizadas depois. Acompanhar um objeto numa montagem motorizada, principalmente em grandes aumentos, é indescritívelmente melhor do que numa sem motor. Em grandes aumentos os objetos celestes, por causa da rotação da Terra, movimentam-se muito rápido no campo de visão da ocular, isso acaba fazendo que você nunca consiga ver muito bem os objetos e atrapalha muito na percepção dos detalhes.
Quarto: O melhor telescópio para seu amigo pode não ser o melhor telescópio para você.
Você mora num apartamento no centro de uma cidade grande, com os pais, não tem carro e nem carteira de motorista, mas foi na casa de um amigo do seu pai e descobriu que ele tem um telescópio enorme e ficou doido por ele. Também leu em vários fóruns (inclusive neste texto faz uns dois minutos), que abertura é a característica mais importante de um telescópio. Então decidiu economizar para comprar aquele refletor de 300mm de abertura que viu no mercado livre. Cuidado, você pode estar fazendo uma tremenda besteira se não tiver realmente condições de usar esse telescópio. Talvez para o amigo do seu pai um telescópio grande seja a melhor opção, se ele mora numa chácara ou tem um carro grande para levar para lugares mais escuros, ou mesmo se tem um observatório. Já para você, talvez esse mamute se transforme num elefante branco, que quase nunca será usado e provavelmente um aparelho menor, que você consiga carregar, ou transportar no carro sem surtar os seus pais, seja uma opção muito melhor. Um cassegrain de 102mm pode ser muito melhor para algumas pessoas do que um refletor de 300mm. Analise bem as suas condições de uso e transporte do telescópio antes de comprá-lo.
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O astrônomo Conrado Serodio, usando um bom telescópio portátil. Cassegrains são excelentes para quem precisa de um setup leve e que possa ser levado para lá e para cá sem causar dores de cabeça. |
Quinto: Antes de se comprar um telescópio, você deve saber claramente o que espera dele e para que ele será usado.
Nunca compre um telescópio apenas por que quer um telescópio. É difícil achar um telescópio que seja bom em todas as áreas da astronomia. Alguns são melhores para planetas, outros para céu profundo. Alguns aparelhos são mais voltados para astrofotografia do que para observação. Você tem que saber exatamente o que quer deste aparelho antes de comprar seu primeiro telescópio. Se você mora numa cidade grande por exemplo e não tem condições de ir para um lugar escuro, acompanhar e fotografar planetas pode ser uma atividade muito mais recompensadora do que tentar observar galáxias. Procure um telescópio especializado em planetas e você terá anos de diversão da janela do seu apartamento. Já se você mora num local escuro, um telescópio de grande abertura será algo que você não irá querer abrir mão.
Sexto: Não compre um telescópio pelos acessórios que vem com ele.
Nunca escolha um telescópio pior com muitos acessórios no lugar de um melhor com poucos acessórios. Pois você poderá melhorar este último comprando os acessórios quando sobrar mais dinheiro. Já um telescópio ruim não pode ser melhorado. Normalmente nenhum acessório que você for comprar irá melhorá-lo, não importa qual seja a ocular ou o o filtro, ele sempre vai lhe dar uma imagem ruim.
Mais vale comprar um bom telescópio com poucos acessórios do que um telescópio ruim com muitos acessórios. Os acessórios podem ser comprados depois.
Vale lembrar que, produtos muito inferiores muitas vezes nem sequer tem compatibilidade com os acessórios disponíveis no mercado. Se você comprar um telescópio cujo barril da ocular não esteja no padrão do mercado, muito dificilmente conseguirá adquirir uma barlow, um filtro, ou uma ocular que sirva nele.
Sétimo: Deve se prestar atenção na marca de um telescópio
A marca de um telescópio, na maioria das vezes, indica o nível de qualidade do aparelho. Existem praticamente três níveis de marcas em equipamentos astronômicos. Na base estão as que vendem produtos cuja qualidade normalmente decepciona seus usuários, onde as mais famosas são Toya, Greica e Tasco. Se o telescópio não tiver nenhuma marca evite mais ainda. Pode até ser um excelente exemplar fabricado na Rússia, mas se você não puder testá-lo muito antes de comprar, não arrisque.
No nível acima temos as marcas que investem no custo benefício. Essas marca às vezes tem um pé nos produtos lixo (A Celestron, por exemplo, vendia, ou ainda vende, um refletor com lente Relay, algo que os astrônomos amadores mais experientes abominam), e outro pé nos produtos top, mas no geral vendem bons produtos de qualidade a preços mais acessíveis. São as marcas mais famosas como Orion, Celestron, Sky-Watcher, GSO. O Grande problema dessas marcas é que seus produtos são de uma diversidade tão grande, que essa informação acaba não ajudando tanto na compra (o mais importante aqui é evitar as marcas ruins).
Também há aquelas marcas dedicadas a produtos de primeiríssima linha, como Takahashi, TeleVue, Oficina Stellare e outras. Essas marcas se concentram em produtos de qualidade premium, em geral muito apreciados por astrofotógrafos avançados. A Vixen já foi uma dessas, mas hoje tem se posicionado entre o grupo do parágrafo anterior e este. Pode ser inesperado o que eu vou dizer, mas tome cuidado com as marcas top também. Elas podem ter produtos que custam cinco vezes mais, mas que entregam dez por cento a mais de qualidade na imagens e na qualidade da montagem do que o grupo do parágrafo anterior (isso acontece em muitas outras áreas além da astronomia). Veja se você realmente precisa desse nível de qualidade. Nessa faixa muitos telescópios e montagens são mais voltados para Astrofotografia do que para observação. Um telescópio apocromático com três elementos de 90mm é um instrumento maravilhoso para astrofotografia, mas na ocular não lhe dará imagens mais interessantes de uma nebulosa do que um bom refletor de 200mm que pode custar até 10 vezes menos. Mesmo que o APO seja mais portátil, um bom cassegrain de 127mm irá pesar a mesma coisa e fornecer imagens tão boas por uma fração do preço.
Oitavo: Para Brasileiros, comprar telescópios é bem mais complicado do que para americanos ou europeus.
Esta é uma triste verdade. Quando queremos comprar um bom telescópio no Brasil a sensação que temos é de que vivemos em outro planeta e os telescópios precisam ser trazidos para cá em sondas espaciais, por isso chegam sempre muito mais caros e muitas vezes se chocam com um asteróides e acabam nem chegando até nós. Infelizmente a melhor forma de ter um bom telescópio no Brasil muitas vezes é você mesmo ir para o exterior e se aventurar trazendo o aparelho para cá. Há muitos bons modelos até a cota de 500 dólares. E se você for mais corajoso, compre um mais caro e tente colocar ele no meio da bagagem e torça para que ninguém da receita pare você.
O melhor lugar para se comprar telescópios no Brasil, é sem dúvida o site
Armazém do Telescópio. Eu não estou fazendo nenhuma propaganda, estou apenas dizendo uma verdade conhecida por todo astrônomo com um pouco mais de experiência em comprar equipamentos na área. O Armazém vende produtos de qualidade por preços bastante acessíveis. Vale lembrar que eles vendem telescópios e montagens grandes, que você dificilmente animaria trazer na bagagem numa viagem para o exterior. O defeito do Armazém é que eles não tem muitos modelos e às vezes ficam meses sem estoques, até por que, quando eles são renovados, muitos modelos são totalmente vendidos em questões de dias. A
Astroshop também pode ser um opção. Eles tem uma grande variedade de telescópios, embora com preços mais elevados.
Nono: Nunca compre um telescópio por que ele é bonito.
O que estou dizendo pode parecer óbvio, mas a verdade é que já vi muita gente decidir por um modelo simplesmente por que ele era mais bonito. Esse na verdade é um dos erros mais comuns que astrônomos iniciantes fazem. Realmente telescópios são aparelhos bonitos, lembram armas laser futuristas e, por isso, podemos acabar nos encantando pelo modelo mais vistoso em detrimento de um aparelho muito melhor, cuja aparência não nos agradou tanto. Lembre-se: telescópio é um instrumento de precisão. Todas as peças devem ser fabricadas com esmero, se não darão aos usuários apenas dores de cabeça. compre um telescópio pela beleza apenas se você já tiver consciência de que não irá utilizá-lo para observações e sim como enfeite da sala de visita.
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Se quer um telescópio para enfeitar a sala, compre um destes |
Se você ficou um pouco confuso sobre os modelos de telescópios, pretendo, no próximo post fazer uma enumeração dos tipos de telescópios existentes no mercado.