sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Nebulosa de Véu no EBA - Um pouco sobre a lente de 200mm FD - Parte 1

Nebulosas do Véu do Oeste e do Leste fotografada com Lente de 200mm F2.8 FD, Canon T2i modificada para astronomia e Montagem Celestron CG-5, sem o uso de guiagem


Acho que nem todo mundo aqui sabe, mas eu tenho uma lente de 200mm F2.8 da Canon. Sim é a lente dos sonhos de todo astrofotógrafo. Só que tem um porém, ela não é a moderníssima Canon EF 200mm f/2.8L II USM vendida hoje por quase 800 dólares no exterior e encontrada no Brasil por algo em torno de três mil reais no Mercado Livre ou na feira do Paraguai mais próxima de você. Trata-se de uma lente da época da fotografia com filme. Eu não sei exatamente quantos anos essa lente tem, mas uma coisa posso dizer, ela deve ser mais velha do que a maioria das pessoas que lê este blog.

Então  quer dizer que posso usar qualquer lente antiga da Canon na minha câmera digital, economizando milhares de reais e conseguindo resultados como as das lentes mais caras?

Bem, não é por aí.

Pra quem não sabe, FD é como a Canon chamava o encaixe das suas câmeras até o ano de 1987, quando foi introduzido o encaixe do tipo EF, que trouxe a eletrônica às lentes, embora ainda com o uso de filmes. O problema é que, em relação as modernas câmeras digitais o foco das lentes FD foi parar mais para dentro do sensor e DSLRs da Canon que usam lentes FD não conseguem foco no infinito, o que as inutilizou para astrofotografia.

É claro que os fotógrafos que possuem lentes FD caras não vão deixar isso barato, e trataram de adaptar as lentes às câmeras  digitais. Os chineses não perderam tempo e criaram adaptadores que além de mudar o encaixe das lentes FD para EF, incluíam um pequena *peça óptica adicional com a função de colocar o foco mais para dentro da câmera e atingir o sensor. Seria muito legal se não fosse um detalhe, uma única peça óptica, com somente a função de mudar o foco, certamente cria aberrações na óptica se não tiver outras peças para fazer as devidas correções. Pior ainda (muito pior mesmo!) é que essa peça óptica não é feita pela própria Canon, mas uma companhia chinesa desconhecida. O resultado é que esses adaptadores prejudicam demais a qualidade final das lentes, sendo totalmente desaconselhados por astrofotógrafo.

Mas um belo dia um fotógrafo muito pão duro teve que enterrar um parente e, para economizar uns trocados, comprou o menor caixão possível. Só que o falecido, de um metro e noventa de altura, não estava cabendo no caixão. Foi aí que o fotógrafo teve uma "grande ideia" e disse ao coveiro que serrasse as canelas do cunhado e tirasse uns vinte centímetros de pernas do infeliz. Depois era só cobrir com a calça que ninguém perceberia, já que ele ia ser enterrado deitado mesmo. Durante o  velócio, um ou outro parente soltou algo do tipo "Eu jurava que ele era mais alto", mas no final o plano foi um sucesso.

Logo depois do enterro, o fotógrafo lembrou de sua lentes FD caras que estavam acumulando mofo no armário, pois eram longas demais para o foco no infinito chegar ao sensor. Ele pensou: por que eu não faço o mesmo com minhas lentes!

E foi assim que a minha lente 200mm FD foi adaptada. Ele foi cortada antes de receber o adaptador EF, para diminuir seu comprimento e poder caber no caixão, quer dizer, conseguir atingir foco no infinito com as câmeras digitais. Não fui eu que fiz ou mandei fazer isso com minha lente de 200mm FD, comprei ela no Mercado Livre já modificada. É raro achar lentes FD adaptadas dessa forma, por isso tenha muito cuidado antes de comprar uma lente antiga que você não conhece, principalmente se for da Canon.

Desde a aquisição desta lente de 200mm FD, ela tem sido uma parceira indispensável nas imagens feitas em banda estreita com a CCD. Ela tem uma vantagem muito grande em relação a 200mm EF USM (além de ter custado menos da metade de uma lente nova), a abertura do diafragma pode ser ajustada manualmente, me permitindo ajustar a abertura enquanto fotográfo com a CCD. Inclusive deixando ela mais aberta quando estou localizando e enquadrando o objeto, podendo diminuir o tempo deste processo e fechando um pouco o diafragma quando eu começo a fotografar pra valer, o que melhora a qualidade da imagem. Se ela fosse do tipo EF, eu precisaria colocar a lente na câmera Canon T2i toda vez que quisesse mudar a abertura do diafragma e fazer um processo chato e perigoso de tirar a lente da câmera enquanto uma foto em longa exposição está sendo feita.

A lente FD claramente tem uma óptica inferior a 200mm EF. Ela não tem coma e nem aberração esférica, mas tem aberração cromática de sobra. O resultado disso são estrelas com halos azuis e violetas enormes quando uso a lente com a Câmera colorida, mas como com a CCD geralmente fotografo em banda estreita, essas aberrações desaparecem, já que com filtros de banda estreita, a faixa de luz capturada é muito restrita, não deixando passar a luz que geraria os halos.

O resultado disso é que as fotos que tenho feito com essa lente na CCD tem me dado orgulho, já as que faço com a DSLR podem até me deixar feliz, mas exigem dias de processamento, muitas tentativas e muitos erros até, quem sabe, ficarem boas.

A foto acima, da Nebulosa do Véu inteira, foi particulamente desafiadora, já que é uma região repleta de estrelas, tornando o problema dos halos ainda mais agravante. Apesar deste problema, me impressiona a capacidade da lente de capturar com nitidez os detalhes da nebulosa, a imagem abaixo mostra bem isso.


Crop da imagem anterior com processamento diferente.

 
O resultado do EBA é que a lente de 200mm FD tem um problema sério de aberração cromática, mesmo assim, acho que talvez seja um pouco cedo para me desfazer da lente. Ela tem seus pontos positivos e não sei se a 200mm EF irá mesmo superá-la na fotografia com a CCD. Eu já fiz uns testes e sei que se fechar mais o diafragma da 200mm FD, poderei conseguir estrelas bem mais pontuais. O preço que pagarei por isso é que precisarei de tempos maiores de exposição. A imagem acima foi feita sobre uma montagem sem guiagem, limitando o tempo de exposição a frames de 2 minutos, sendo que o ideal teriam sido frames de pelo menos 5 minutos, ou aumentar o ISO e fazer mais frames, coisas que eu não fiz. Por isso eu ainda espero conseguir bons resultados com esta lente.
 
*por peça óptica adicional entenda-se lente, mas a minha professora de redação dizia que eu não devia ficar repetindo muito as palavras num mesmo parágrafo.

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